sábado, 13 de outubro de 2007

Knock-out científico



"O Nobel da Medicina e Fisiologia de 2007 foi atribuído a Mário Capecchi, Martin Evans e Oliver Smithies pelos trabalhos que conduziram a uma das técnicas mais bem sucedidas da investigação genética: a introdução de alterações genéticas específicas no genoma de um organismo, recorrendo a células estaminais. A ferramenta desenvolvida por estes investigadores (um geneticista, um embriologista e um bioquímico) designa-se por tecnologia ‘knock-out’, porque corresponde à possibilidade de silenciar um único gene do genoma, e precisamente aquele que pretendemos. É o surpreendente grau de precisão desta técnica que a tornou tão famosa e útil.


Até hoje mais de 10 mil genes de ratinhos já foram silenciados (knocked out). Espera-se que dentro de poucos anos haja ratinhos com uma única mutação em cada um dos genes relevantes para estudos biomédicos.


A ideia que Capecchi e Smithies tiveram independentemente foi considerada tão irreal na época, que as agências de financiamento de investigação se recusaram a financiar os seus projectos. Eles pretendiam simplesmente introduzir uma sequência genética específica num local bem preciso de um cromossoma de um eucariota. Foi graças a uma maquinaria existente nas células sexuais – a recombinação homóloga que permite a troca de segmentos de DNA entre os cromossomas homólogos que a técnica se tornou possível. É possível recorrer a DNA de um retrovírus como vector para a introdução da sequência pretendida: uma mutação que silencia um determinado gene. Isso tem como consequência que se pode observar o desenvolvimento desse animal designado ‘knock-out’ e compará-lo com o desenvolvimento de um animal normal.

Esta técnica tem sido muito útil para perceber o surgimento de determinadas doenças ou malformações durante o desenvolvimento embrionário de um ratinho – o que permite rápida extrapolação para a nossa espécie.


Ter a possibilidade de silenciar um único gene mantendo toda a restante informação e maquinaria a funcionar normalmente permite um grau de precisão nas manipulações experimentais é tão extraordinário, que nem os comités científicos de há trinta anos consideravam uma ideia razoável.


O que faz com que uma fêmea de ratinho exerça os seus cuidados parentais nos seus filhotes? Uma fêmea normal limpa, junta e aquece os seus filhotes. Mas, uma fêmea com o gene fosB knockout não realiza nenhum destes comportamentos e abandona a sua ninhada. Este gene, que é activado muito cedo no processo embrionário, tem uma acção específica numa região do cérebro designada hipotálamo que está implicado no comportamento parental.


Outros ratinhos foram tornados associais quando se colocou knockout o gene Oxt responsável pela produção de ocitocina, uma importante hormona cerebral envolvida no comportamento social e sexual. Na nossa espécie é ainda responsável pela regulação da produção de leite e pelas contracções uterinas durante o parto.




Os mutantes com Oxt silenciado não produzem ocitocina e exibem, em consequência, uma estranha forma de amnésia social. O reconhecimento social em ratinhos ocorre principalmente pelo olfacto: cada indivíduo tem um cheiro próprio que é memorizado pelos conspecíficos, como nós memorizamos uma face (somos uns animais mais dependentes do canal visual). Num primeiro encontro com outro animal há um período relativamente longo em que se cheiram. Nas vezes subsequentes em que se encontram, os tempos de cheiro diminuem rapidamente porque o animal identifica rapidamente o seu visitante. Mas, os ratinhos com o Oxt knockout continuam a gastar sempre o mesmo tempo a cheirar o outro. Isto é, não memorizam os odores dos outros animais, como seria normal.


A utilização da técnica knockout em genes irá sem duvidar ajudar-nos a elucidar muitos dos intrincados processos de regulação e controlo do comportamento de seres complexos como os ratinhos, cuja maquinaria é muito semelhante à nossa."

Texto retirado de : http://dererummundi.blogspot.com/2007/10/knock-out-cientfico.html

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